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Importância Dos Sonhos, Jung.

Importância dos sonhos, Jung.

A função geral dos sonhos é tentar restabelecer a nossa balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui, de maneira sutil, o equilíbrio psíquico total. É ao que chamo função complementar (ou compensatória) dos sonhos na nossa constituição psíquica. Explica por que pessoas com ideias pouco realísticas, ou que têm um alto conceito de si mesmas, ou ainda que constroem planos grandiosos em desacordo com a sua verdadeira capacidade, sonham que voam ou que caem. O sonho compensa as deficiências de suas personalidades e, ao mesmo tempo, previne-as dos perigos dos seus rumos atuais. Se os avisos do sonho são rejeitados, podem ocorrer acidentes reais. A pessoa pode cair de uma escada ou sofrer um desastre de carro. Lembro-me do caso de um homem que se envolveu numa série de negócios escusos. Como uma espécie de compensação criou uma paixão quase mórbida pelas formas mais arriscadas de alpinismo. Procurava “erguer-se sobre si mesmo”. Uma noite sonhou que ao escalar o pico de uma montanha muito alta precipitara-se no espaço vazio. Quando me contou o sonho, verifiquei imediatamente o perigo que corria e tentei reforçar ainda mais aquele aviso para persuadi-lo a moderar-se. Cheguei mesmo a dizer-lhe que o sonho pressagiava sua morte num acidente de alpinismo. Foi inútil. Seis meses mais tarde “precipitou-se no espaço vazio”. Um guia o observava enquanto, com um companheiro, descia por uma corda até um local de difícil acesso. O amigo encontrara um apoio temporário para os pés, numa saliência, e ele o seguia. Repentinamente, soltou a corda como se (segundo o guia) estivesse “se precipitando no ar”. Caiu sobre o amigo, ambos despencaram montanha abaixo e morreram.

Outro caso típico foi o de uma senhora que estava vivendo muito acima das suas possibilidades. Altiva e autoritária na sua vida cotidiana, tinha, à noite, sonhos terríveis com toda espécie de coisas desagradáveis. Quando lhe expliquei os sonhos recusou-se, indignada, a tomar conhecimento deles. Os sonhos foram se tornando cada vez mais ameaçadores e cheios de referências a caminhadas que costumava fazer, sozinha, pelos bosques e onde se entregava a emotivos devaneios. Vi o perigo que corria, mas ela recusou-se a ouvir os meus conselhos. Pouco tempo depois foi atacada por um pervertido sexual no bosque onde passeava. Não tivesse havido a intervenção de pessoas que ouviram seus gritos ela teria sido morta. Não há nenhuma magia nestes fatos. Os sonhos daquela mulher revelaram que ela alimentava um desejo secreto por tal tipo de aventura — assim como o alpinista procurava, inconscientemente, solução definitiva para os seus problemas. Obviamente nenhum deles esperava pagar tal preço: nem ela ter várias fraturas, nem ele perder a vida. Assim, os sonhos algumas vezes podem revelar certas situações muito antes de elas realmente acontecerem. Não é necessariamente um milagre ou uma forma de previsão. Muitas crises da nossa vida têm uma longa história inconsciente.

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Caminhamos ao seu encontro passo a passo, desapercebidos dos perigos que se acumulam. Mas aquilo que conscientemente deixamos de ver é, quase sempre, captado pelo nosso inconsciente, que pode transmitir a informação através dos sonhos. Os sonhos muitas vezes nos advertem; mas tantas outras parece que não o fazem. Portanto, qualquer suposição de que uma mão benevolente nos pode refrear a tempo é duvidosa. Ou, para sermos mais claros, parece que uma força benéfica por vezes funciona e outras não. A mão misteriosa pode até, ao contrário, indicar um caminho de perdição — os sonhos às vezes provam ser armadilhas, ou pelo menos parece que o são. Em certas ocasiões, comportam-se como o oráculo de Delfos quando disse ao rei Creso que se atravessasse o rio Haly destruiria um grande reino. Só depois de derotado numa batalha, após ter transposto o rio, é que descobriu que o reino a que o oráculo se referia era o seu próprio. Não podemos nos permitir nenhuma ingenuidade no estudo dos sonhos. Eles têm sua origem em um espírito que não é bem humano, e sim um sopro da natureza — o espírito de uma deusa bela e generosa, mas também cruel. Se quisermos caracterizar este espírito, vamos aproximarnos bem melhor dele na esfera das mitologias antigas e nas fábulas das florestas primitivas do que na consciência do homem moderno. Não estou querendo negar as grandes conquistas que nos trouxe a evolução da sociedade civilizada, mas tais conquistas realizaram-se à custa de enormes perdas, cuja extensão mal começamos a avaliar.

Trecho retirado do livro: O Homem e seus Símbolos. C.G.Jung

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